sábado, 27 de outubro de 2012

SONHO A REALIZAR


Estou próximo a alcançar a idade de minha aposentadoria. Confesso que tenho pensado em como irei desfrutar dessa nova vida. Não que eu tenha medo da ociosidade e da consequente depressão, doença que acomete a tantos outros. Não me passa pela mente sair viajando completamente seduzido pelos cartões postais do turismo de mercado e esbanjando dinheiro que não possuo.
Também não penso em cair na esbórnia e andar com moçoilas a provar que sou o tal. O meu tempo é outro. Talvez volte ao sertão, more na casa em que nasci e que pertenceu aos meus pais, avós e bisavós. Cabe uma reforma na casa sem, contudo, alterar sua originalidade. Luz, a mais natural possível, com telhas de vidro.
Pretendo introduzir um fogão que funcione à base de energia solar e usarei o convencional, ou o fogão à lenha somente em caso de necessidade. Levarei um computador ligado à internet e muitos livros que, provavelmente, não serão todos lidos. Não posso me descuidar da prática das caminhadas e de uma alimentação à base de frutas e verduras. À tardinha, como faziam meus pais e também meus avós - irei colocar cadeiras na calçada e receber os velhos amigos e compadres para uma boa palestra, em que saberei mais ouvir do que falar. Não posso negar que carrego um sonho simples a construir.
Penso em plantar árvores nativas pelas terras desnudas da caatinga. Quero começar pelas margens dos pequenos riachos e nas encostas dos morros com mudas de juazeiro, pau-branco, pau d'arco, algarobas, tamarindo, mangueiras, cajueiros etc. Tudo de acordo com a região. Assim, quem sabe, se preserve os pássaros desse microecossistema. Bom, com o exemplo, criarei uma central de mudas de árvores que beneficiará, de forma gratuita, toda e qualquer pessoa que queira adotar esse objetivo. Será a minha parcela mínima de contribuição contra os gases poluentes que põem em risco a vida no planeta. Com essa atitude simples, quero dignificar a vida e ser conhecido como um homem justo, que esteve à altura do seu tempo.

DEBAIXO DA MARQUISE


Quinta-feira, final de fevereiro de 2008, uma inesperada chuva ainda caía pela madrugada de Fortaleza. Havia ido pegar meu filho que fora assistir a um show no Centro Dragão do Mar, na Praia de Iracema. Decidi ir pelo Centro velho da cidade, precisamente pela Praça do Ferreira, evocando pessoas e lugares que marcaram a história do Ceará.
Dirigia de maneira lenta e, de repente, a cena que vi me deixou chocado: uma mulher magra e maltrapilha dormia sobre papelões e fazia de seu próprio corpo agasalho para cobrir os dois filhos, os quais talvez tivessem entre cinco a oito anos de idade. Na calçada da loja vizinha, um homem de camisa suja e rasgada também dormia próximo à sua carroça de catador de lixo.
Sem me dar conta, parei e pude perceber melhor aquela triste situação, com certeza bastante comum pelas ruas da "Loira desposada do sol". Mas não me contive e chorei. Por uma estranha lógica que revolve a lembrança, pensei na velha negra e desempregada Espírito Santo, de Senador Pompeu (291 km de Fortaleza) que, na década de 60, acolhia as pessoas doentes e loucas que viviam pela rua, levando-as para suas próprias casas. Em seguida, não pude evitar que meu pensamento fosse inundado por grandes figuras idealistas e solidárias da história da humanidade. Logo me veio à mente Francisco de Assis, o santo, com sua humildade e seu carinho para com os pobres.
Até parece que estava vendo Madre Teresa de Calcutá a prestar solidariedade àquela família ali, debaixo da marquise, em plena chuva. Daí para chegar a Karl Marx, que concebeu uma sociedade sem explorados ou exploradores, foi um pulo.
Devo ainda dizer que primeiro me veio o pensamento escapista de que aquele casal saiu para trabalhar e apenas não havia encontrado com quem deixar seus filhos.
Digo mais: senti-me acovardado e egoísta diante daquela família empurrada para a sarjeta e marcada pela miséria. Só não pude esquecer o olhar da mulher que, ao acordar, pareceu-me ter mirado o vazio no infinito.

A CULPA É DA MULATA


Ainda bem que o carnaval terminou! Tudo bem que o carnaval é a catarse em que o povo brasileiro oprimido bota seus diabinhos pra fora. É como se tudo fosse permitido, inclusive assaltar e assassinar. Mas, nesses dias de momo, era preciso paciência para aguentar tantos idiotas vivendo a farsa da alegria.
São longos quatro dias que a vadiagem insiste em esticar no rastro de trios elétricos tocando música péssima, ouvida e cantada por um magote de gente boba que sai pulando num histerismo sem parâmetro na história da humanidade. E tudo começa com um tal de mela-mela de goma e spray colorido, quando o jovem estudante, a recatada dona de casa ou o sisudo cidadão se transformam no bloco em desfile pela avenida das "celebridades" em busca do troféu dos alienados.
E quem disser que não foi assaltado nesse carnaval é mentiroso. O sujeito pode até ter se safado dos trombadinhas, o que acho quase impossível, porém, não conseguiu escapar dos absurdos preços que lhe foram cobrados pelos hotéis, bares, táxis etc. E não caia com uns trocados para a dupla que se diz da polícia para ver o que lhe acontece! Aí você está lascado.
O carnaval e o excesso de seus componentes aparvalhados são o atestado de que a nação brasileira não persegue um projeto político e social com seriedade. Nesse quesito, o sistema capitalista é cruel: ele dá a entender, num “mundo de faz de contas”, que o povo é livre nos quatro dias para, em seguida, como vingança, escravizá-los durante o ano inteiro. Ou seja, a fantasia de rei e rainha somente em fevereiro, nos demais meses, muito trabalho e banzo para a ralé.
Aqui devo confessar, caro leitor, que beirando os sessenta anos, trinta e cinco de casado, pai de família até então exemplar, trabalhador e cumpridor dos seus deveres, caí na tentação, pois a carne é mesmo fraca. Esbaldei-me no carnaval! A culpada foi uma sensual mulata de entortar quarteirão e fazer erigir uma, ou melhor, várias torres gêmeas. A propósito, preciso verificar o extrato de minha conta bancária...