sábado, 27 de outubro de 2012

DEBAIXO DA MARQUISE


Quinta-feira, final de fevereiro de 2008, uma inesperada chuva ainda caía pela madrugada de Fortaleza. Havia ido pegar meu filho que fora assistir a um show no Centro Dragão do Mar, na Praia de Iracema. Decidi ir pelo Centro velho da cidade, precisamente pela Praça do Ferreira, evocando pessoas e lugares que marcaram a história do Ceará.
Dirigia de maneira lenta e, de repente, a cena que vi me deixou chocado: uma mulher magra e maltrapilha dormia sobre papelões e fazia de seu próprio corpo agasalho para cobrir os dois filhos, os quais talvez tivessem entre cinco a oito anos de idade. Na calçada da loja vizinha, um homem de camisa suja e rasgada também dormia próximo à sua carroça de catador de lixo.
Sem me dar conta, parei e pude perceber melhor aquela triste situação, com certeza bastante comum pelas ruas da "Loira desposada do sol". Mas não me contive e chorei. Por uma estranha lógica que revolve a lembrança, pensei na velha negra e desempregada Espírito Santo, de Senador Pompeu (291 km de Fortaleza) que, na década de 60, acolhia as pessoas doentes e loucas que viviam pela rua, levando-as para suas próprias casas. Em seguida, não pude evitar que meu pensamento fosse inundado por grandes figuras idealistas e solidárias da história da humanidade. Logo me veio à mente Francisco de Assis, o santo, com sua humildade e seu carinho para com os pobres.
Até parece que estava vendo Madre Teresa de Calcutá a prestar solidariedade àquela família ali, debaixo da marquise, em plena chuva. Daí para chegar a Karl Marx, que concebeu uma sociedade sem explorados ou exploradores, foi um pulo.
Devo ainda dizer que primeiro me veio o pensamento escapista de que aquele casal saiu para trabalhar e apenas não havia encontrado com quem deixar seus filhos.
Digo mais: senti-me acovardado e egoísta diante daquela família empurrada para a sarjeta e marcada pela miséria. Só não pude esquecer o olhar da mulher que, ao acordar, pareceu-me ter mirado o vazio no infinito.

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